Press release: 4 May 2023

Gigante do setor agrícola Cargill enfrenta queixa por falhas relacionadas ao desmatamento e violações de direitos humanos no Brasil 

  • A ClientEarth entrou com uma queixa contra a gigante agrícola Cargill.
  • Desmatamento advindo da produção de soja "pirata" gera preocupações quanto aos "pontos de inflexão climáticos”.
  • A ação marca uma escalada nas iniciativas que visam impedir a destruição ambiental e violações de direitos humanos vinculadas à Cargill.

WASHINGTON DC – A ClientEarth apresentou uma queixa legal contra a gigante agrícola norte-americana Cargill por sua falha em lidar adequadamente com o desmatamento e as violações de direitos humanos vinculados à sua produção de soja no Brasil.

A denúncia fará com que a Cargill – a maior empresa privada dos Estados Unidos com uma receita anual de US$ 165 bilhões – será responsabilizada de acordo com padrões internacionais relacionados ao desmatamento vinculado a suas atividades na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado.

A ClientEarth, organização ambiental sem fins lucrativos de ativismo jurídico, alega que a Cargill não monitora adequadamente os grandes volumes de soja que comercializa, movimenta em seus terminais portuários e envia aos mercados internacionais, negligenciando suas responsabilidades legais de devida diligência necessária para eliminar os vínculos com o desmatamento e as violações de direitos humanos.

Isso ocorre apesar de uma série de relatórios [1] que documentam o papel da empresa na destruição ambiental de ecossistemas vulneráveis no Brasil, bem como na violação de direitos de Povos Indígenas, populações quilombolas e outras comunidades florestais.

A denúncia da ClientEarth nos EUA se baseou nas diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as quais estabelecem um conjunto de recomendações internacionais para promover uma conduta comercial responsável.

Laura Dowley, advogada da ClientEarth, afirma que “a rápida expansão da produção mundial de soja destinada à ração animal coloca em perigo crítico - e talvez irreversível - as vulneráveis florestas tropicais e savanas do Brasil, além de ameaçar as comunidades que delas dependem.

Como uma das maiores comerciantes de soja brasileira, espera-se que a Cargill esteja liderando as melhores práticas mundiais para evitar que a soja proveniente do desmatamento e de abusos dos direitos humanos chegue ao mercado mundial de alimentos.

Em vez disso, suas medidas de devida diligência mostram-se insuficientes, o que aumenta o risco de que a carne vendida em supermercados em todo o mundo seja produzida com a chamada soja ‘pirata’. Acreditamos que isso constitui uma violação do código internacional de conduta empresarial responsável”.

Falhas na devida diligência ambiental 

A Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado são regiões de alta biodiversidade e desempenham um papel crítico como reservatórios de carbono. Os Povos Indígenas são comprovadamente os melhores guardiões desses ecossistemas e essenciais nos esforços para protegê-los e restaurá-los, a fim de evitar mais perdas de biodiversidade e combater os riscos relacionados às mudanças climáticas.

Com o rápido aumento do desmatamento causado pela agricultura, a Amazônia está se aproximando de seu ponto de inflexão. Cientistas afirmam que, após esse ponto, a floresta tropical poderá se transformar em pastagens secas, gerando uma grande quantidade de dióxido de carbono.  Também no Cerrado a tendência é preocupante: quase metade do Cerrado já foi perdida.

A destruição de grandes áreas da Amazônia está intimamente ligada à abertura do polêmico porto comercial da Cargill em Santarém, no norte do estado do Pará, em 2003, o que facilitou as exportações da região e abriu amplas áreas florestais para a produção de soja. A empresa planeja construir um grande novo porto a jusante em Abaetetuba.

A ClientEarth analisou as políticas públicas e informes da Cargill e concluiu que estes revelam deficiências em seus processos de devida diligência. A Cargill alega que suas políticas incluem sistemas sofisticados de monitoramento, verificação e relatórios para combater o desmatamento relacionado à produção de soja em sua cadeia de suprimentos. A empresa também se comprometeu a atingir uma produção 100% livre de desmatamento na Amazônia e no Cerrado até 2025.

As deficiências identificadas pela ClientEarth incluem a falta de ações por parte da Cargill para:

  • Realizar a devida diligência ambiental adequada para a soja comprada de terceiros, e não diretamente dos agricultores, que representa 42% de toda a soja brasileira comprada pela Cargill; 
  • Realizar a devida diligência ambiental sobre a soja de outras empresas que é movimentada em seus portos;
  • Realizar a devida diligência ambiental para mudanças indiretas de uso da terra;
  • Realizar a devida diligência ambiental adequada para a soja proveniente do Cerrado, apesar da taxa maciça de desmatamento nesse bioma e de sua importância ambiental; e
  • Realizar a devida diligência para a soja proveniente da Mata Atlântica brasileira – zona de alta biodiversidade mundial e uma região importante para a conservação.

Em sua queixa, a ClientEarth argumenta que a Cargill deveria aprimorar sua diligência devida em todas as circunstâncias mencionadas anteriormente, devido à grande escala dos riscos envolvidos e ao volume de recursos à sua disposição como a maior empresa dos EUA.

Dowley acrescentou: "Quando consideramos os enormes recursos disponíveis para a Cargill e a situação crítica da Amazônia, da Mata Atlântica e do Cerrado, é imperdoável a falta de monitoramento do desmatamento em grande parte de sua extensa cadeia de suprimentos e operações de soja. A Cargill tem plena capacidade para levar a cabo uma devida diligência adequada, portanto, é urgente que isso seja colocado em prática”.

Falhas em direitos humanos 

A denúncia destaca que a Cargill parece não possuir políticas e sistemas adequados para lidar com questões de direitos humanos relacionadas à sua produção de soja no Brasil, apesar de ter sido relacionada a casos de violação desses direitos.

A queixa apresenta exemplos de danos socioambientais resultantes da construção e operação do porto da empresa em Santarém, incluindo o deslocamento forçado de pessoas e a violência contra defensores da terra.

A queixa também apresenta detalhes sobre como as formas tradicionais de vida das comunidades e sua relação com a terra estão sendo destruídas devido ao desmatamento e à conversão de áreas florestais em terras para agricultura. Além disso, a contaminação por pesticidas relacionada ao cultivo de soja está prejudicando a saúde das pessoas.

A organização brasileira de direitos humanos Terra de Direitos comentou: “As organizações da sociedade civil brasileira e as comunidades e povos tradicionais lutam há muito tempo contra os impactos socioambientais das operações da Cargill. O desmatamento acarreta um custo humano. Os defensores e defensoras de direitos humanos e comunidades tradicionais sentem isso todos os dias. Esta denúncia apoia nossa luta para acabar com a injustiça contra povos indígenas, comunidades quilombolas e não demais povos tradicionais que lutam contra a destruição ambiental dos seus territórios tradicionais em decorrência da agricultura industrial”.

Futuras leis e regulamentos 

As advogadas da ClientEarth afirmam que o fortalecimento dos processos de devida diligência da Cargill  conforme com as diretrizes da OCDE beneficiaria a empresa, à medida que a devida diligência aprimorada se tornar obrigatória em mais jurisdições.

Isso inclui a nova lei de combate ao desmatamento da UEbem como leis e regulamentos semelhantes propostos nos EUA e no Reino Unido que, se adotados, também imporão novas obrigações de devida diligência ambiental às empresas.

Dowley acrescentou: “O âmbito legislativo está se movendo rapidamente. Governos, reguladores, o setor financeiro e consumidores estão cada vez mais atentos para o papel das empresas na destruição da natureza. Reforçar os processos de devida diligência ambiental e de direitos humanos ajudará a Cargill a se posicionar de forma segura diante das futuras regulamentações que buscam reduzir o impacto negativo das corporações nas pessoas e no planeta”.

ENDS

Notes to editors:

Consulte o documento de perguntas frequentes em anexo para obter detalhes completos sobre a queixa apresentada pela ClientEarth ao Ponto de Contato Nacional dos EUA para as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais.

Resumo da queixa enviada ao Ponto de Contato Nacional dos Estados Unidos para a OCDE contra a Cargillpode ser acessado aqui.

As Diretrizes da OCDE exigem que as empresas realizem a devida diligência baseada em risco para identificar, prevenir e mitigar os impactos adversos reais e potenciais de suas atividades e responder por como esses impactos são abordados.

O Ponto de Contato Nacional dos EUA para a OCDE avaliará agora se a queixa é pertinente e fundamentada. Se a denúncia for aceita, a OCDE se oferecerá para mediar o problema entre a ClientEarth e a Cargill.

Laura Dowley é advogada formada no Reino Unido.

[1] Os relatórios referidos no documento da queixa são: Greenpeace (2019). Under Fire:; Global Witness (2021). Seeds of Conflict: De Olho nos Ruralistas (2020) Cargill compra soja de fazendas sobre postas a território indígena em Santarém: Cargill compra soja de fazendas sobrepostas a território indígena em Santarém (PA) - De Olho nos Ruralistas; Earthsight (2022). Revealed: US agribusiness giants’ soy linked to stolen indigenous land and murder in Brazil: Revealed: US agribusiness giants’ soy linked to stolen indigenous land and murder in Brazil | Earthsight; IPAM (2021). Land-grabbing and illegal mining bring wildfires and deforestation to Indigenous lands in the Amazon: IPAM Amazônia - | Land-grabbing and illegal mining bring wildfires and deforestation to Indigenous lands in the Amazon; IPAM (2021). Amazon on Fire Amazon on Fire - Deforestation and Fire on Indigenous Lands: Amazon-on-Fire-ILs.pdf (ipam.org.br); Terra de Direitos (2021). Sem Licença para Destruição: Cargill: e Violação de Direitos no Tapajós: estudo-completo-cargill-santarem.pdf (semlicencaparacargill.org.br); (2021): and Terra de Direitos (2022). What is Cargill doing for the Amazon?: Informativo Cargill - Inglês.cdr (terradedireitos.org.br).

O Greenpeace e a Global Witness relatam que, quando apresentaram à Cargill evidências de seu vínculo com violações de direitos humanos, a empresa não forneceu nenhuma resposta satisfatória (consulte as perguntas frequentes para obter mais detalhes).

A organização Mighty Earth informa que, ao apresentar provas de falhas em sua cadeia de suprimentos de soja na Amazônia e conexões com um caso de desmatamento por parte de um fornecedor direto, a empresa Cargill não ofereceu qualquer indicação significativa de ter realizado uma devida diligência independente para evitar que sua soja fosse proveniente de áreas desmatadas.

Compromissos da Cargill:  

Em novembro de 2022, em conjunto com outros 12 grandes comerciantes e produtores agrícolas, a Cargill divulgou o Roteiro do Setor Agrícola para 1,5°C, no qual anunciou que irá eliminar o desmatamento em sua cadeia de produção de soja nos biomas Amazônia e Cerrado até 2025. É importante destacar que o roteiro não se compromete a acabar com a conversão, o que deveria incluir o fim da conversão em todos os ecossistemas nativos, e não somente nas florestas. Dependendo da definição de floresta adotada, extensas áreas do Cerrado podem não ser consideradas.

A Cargill compromete-se com a Moratória da Soja na Amazônia, um acordo setorial pelo qual as empresas comerciantes de commodities se comprometem a evitar a compra de soja proveniente de áreas desmatadas após o ano limite de 2008.

A Cargill não adota uma política semelhante à Moratória da Soja no Cerrado. Segundo dados de 2022, estima-se que a região esteja desaparecendo a uma taxa quase quatro vezes maior do que a da floresta amazônica. Ao contrário da Amazônia, que estabeleceu 2008 como ano limite para o desmatamento, no Cerrado não há uma data definida e tudo depende do compromisso da Cargill de dissociar completamente sua produção do desmatamento até 2025.

A Cargill se compromete a apoiar os direitos dos Povos Indígenas e das comunidades locais em seu Compromisso com os Direitos Humanos e em sua Política de Soja Sustentável.

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